5 de ago. de 2010

Fermilab constata dominância da matéria sobre antimatéria

Scientific American Brasil - 04 de agosto de 2010

Análise de dados do Tevatron mostra assimetria na forma como as partículas conhecidas como mesons B neutros decaem.

O Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) pode estar funcionando nos arredores de Genebra, mas o acelerador de partículas por ele superado ainda parece propiciar algumas surpresas. Dados do incansável colisor Tevatron, localizado no Fermilab, em Illinois, mostra o que parece ser uma preferência pela matéria, e não pela antimatéria, considerando-se a forma como decai um tipo incomum de partículas, de acordo com a nova análise de um grupo de pesquisa do Tevatron.


Físicos e cosmólogos procuram mecanismos desse tipo para ajudar a explicar por que a matéria prevaleceu sobre a antimatéria quando o Universo era jovem, já que ambas deveriam ter sido criadas em quantidades iguais, gerando uma nuvem de aniquilação mútua e não as estáveis estruturas materiais – galáxias e coisas do gênero – que ocupam o Cosmos.

FERMILAB
O experimento DZero no colisor Tevatron do Fermilab, um dos dois detectores onde
prótons e antiprótons colidem a velocidades próximas à da luz.

Algumas propriedades da Física de altas energias mostraram-se fundamentalmente assimétricas, produzindo matéria com mais frequência que antimatéria, mas em quantidades pequenas demais para explicar a relativa escassez de antimatéria no Universo. O novo mecanismo observado no detector DZero do Tevatron parece funcionar em uma escala muito maior, afirma o cientista da equipe do Fermilab, Dmitri Denisov, co-porta-voz da equipe do DZero. Porém, se isso pode explicar a preponderância da matéria atualmente ainda é algo incerto. Em qualquer caso, a assimetria não se encaixa no longo reinado do Modelo Padrão da Física de partículas, o que sugere, portanto, que alguma partícula ou interação desconhecida pode estar em jogo.

A equipe do DZero analisou mais de sete anos de colisões próton-antipróton no novo estudo, que o grupo enviou para o Physical Review D e publicou on-line em 16 de maio. Conforme as partículas exóticas e de vida curta produzidas nas colisões progressivamente decaíam em partículas mais estáveis, como elétrons, um dos produtos das colisões, conhecido como meson B neutro, pareceu decair mais frequentemente em múons – partículas instáveis que existem por cerca de 2 milionésimos de segundo antes de decaírem ainda mais– do que em antimúons.

“Quando colidimos prótons e antiprótons, gerando mesons B neutros, esperávamos ver quantidades iguais de matéria e antimatéria quando decaíssem”, observa Denisov. “Por alguma razão, há mais múons negativos, que são matéria, do que múons positivos, que são antimatéria”. De acordo com o membro do DZero, Gustaaf Brooijmansm um físico da Columbia University, “observamos uma assimetria que é próxima de 1%”.

Brooijmans observa que outros experimentos usaram mesons B para expor assimetrias fundamentais da Física, mas que os resultados desses experimentos ficaram mais próximos das previsões feitas pelo Modelo Padrão. As assim chamadas “fábricas B” foram construídas para explorar as propriedades de partículas incomuns, mas em um espectro mais limitado do que o disponível no Tevatron. “Há uma grande diferença” entre os resultados do DZero e os das fábricas B, destaca Brooijmans. “Temos acesso ao meson Bs e as fábricas B têm um acesso maior ao Bd”.

Tanto os mesons Bs quanto os Bd (assim chamados por possuírem um quark estranho e um quark down, respectivamente) têm vida curta, decaindo em cerca de 1,5 picosegundo, ou 1,5 trilionésimo de segundo. São conhecidos como mesons neutros porque não possuem carga elétrica líquida. Em seu breve tempo de vida, só conseguem oscilar entre duas formas, cada uma sendo a antipartícula da outra, explica Denisov. A diferença é que os mesons Bs oscilam muito mais rápido, o que lhes dá uma maior flexibilidade para mudar de um progenitor de matéria para um de antimatéria, ou vice-versa. “Para simplificar um pouco as coisas, os mesons B neutros são realmente interessantes porque podem, basicamente, ir e voltar entre a matéria e a antimatéria. Pensávamos que gastavam o mesmo tempo em cada uma dessas formas”, avalia Denisov. “Com o que medimos agora, parece que preferem a matéria.”

Mesmo dentro dos corredores do Fermilab, o novo resultado do misterioso grupo DZero, veio como uma surpresa, descreve o físico teórico Bogdan Dobrescu, cientista da equipe do laboratório. “É muito empolgante”, comemora ele. “Esse tipo de anúncio importante não é feito com muita frequência.” Mesmo assim, observa ele, o resultado deve ser confirmado em outros experimentos antes de poder seguir adiante. “Precisamos de confirmações antes de alterar nossos livros”, salienta.

Dobrescu diz ser muito cedo para especular o papel que esse novo mecanismo pode ter para estabelecer a prevalência de matéria no Universo. “No entanto, explicar a assimetria matéria-antimatéria não deve ser o aspecto central dessa discussão”, observa. “Estamos em busca de algo mais importante, ou seja, o que são as leis da Física? A assimetria entre matéria e antimatéria é apenas uma das implicações disso.”

É bem simples colocar no papel uma nova partícula que possa explicar a assimetria no decaimento dos mesons B, afirma Dobrescu, mas é mais difícil conciliar essa partícula hipotética com o que já se sabe. “Na maior parte do tempo, se você for cuidadoso, verá que sua escolha já foi eliminada por outros experimentos”, comenta.

Se acontecer de uma nova partícula ser de fato responsável pela estranha tendência que têm os mesons B de favorecer a matéria em lugar da antimatéria, ela pode ser descoberta nas colisões de alta energia sem precedentes do LHC. Mas não ignore o incansável Tevatron, que tem uma vantagem de muitos anos – e rios de dados bem entendidos – em relação à sua contraparte europeia. Brooijmans diz que seu “sentimento visceral” é que uma partícula assim seja observável no LHC. “E quem sabe”, acrescenta, “possa ser acessível ao Tevatron?”.

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