26 de nov. de 2010

Evitando o vazio

Folha de São Paulo - 21/11/2010

MARCELO GLEISER


A noção do vazio absoluto é desconfortável, provoca uma certa ansiedade. Queremos sempre preenchê-lo com algo.


SERÁ QUE PODEMOS contemplar o vazio absoluto? E se pudermos, será que tal coisa - a ausência de tudo- existe? O que definimos como o "nada" mudou radicalmente com o passar do tempo.

A noção do vazio absoluto é desconfortável, provoca certa ansiedade. Queremos enchê-lo com algo.

Já na Grécia Antiga, a questão incitava o debate. Parmênides dizia que o nada não existe e não faz sentido. Haveria apenas o Ser, que está em todos os lugares. Sua ausência significaria a existência do não Ser, que lhe parecia impossível.

Contra essas ideias, os atomistas diziam que a realidade é composta de átomos movendo-se no vazio. Esses átomos podem se combinar para dar forma a tudo o que existe.

Aristóteles discordava disso. Para ele, o vazio também era uma impossibilidade, mas seus argumentos eram mais concretos.

Uma pedra cairá com velocidades diferentes num copo cheio de água ou de mel: quanto mais denso o meio, mais lento o movimento.

Portanto, um meio vazio e com densidade zero permitiria velocidades infinitas, o que era um absurdo. Aristóteles postulou então a existência do éter, uma substância imutável que permeia o Cosmo.

No século 17, Descartes afirmou também que um fluido preenchia o espaço, o que explicaria as órbitas dos planetas em torno do Sol: ao girar, o astro causava o giro do fluido que, por sua vez, fazia com que os planetas girassem.

Newton mostrou que Descartes estava errado: tal fluido criaria uma fricção que causaria instabilidades nas órbitas planetárias. O espaço ficou vazio outra vez.

Quando o escocês James Clerk Maxwell demonstrou, no século 19, que a luz era uma onda eletromagnética, teve de inventar um meio onde essa onda se propagasse. Afinal, ondas de água se propagam na água, e ondas de som, no ar. Maxwell supôs que um meio transparente, sem massa (para não atrapalhar as órbitas) e muito rígido (para permitir propagar ondas ultrarrápidas) enchia o cosmo. O éter acabou voltando. Apenas em 1905 Einstein demonstrou que o éter não é necessário, porque ondas de luz são capazes de se propagar no vácuo. O espaço ficou vazio outra vez. Durante o século 20, o conceito de campo substituiu o conceito de força e ação à distância. Todo corpo com massa cria um campo gravitacional à sua volta, que influencia outros corpos com massa. Toda carga elétrica cria um campo elétrico que influencia outras cargas etc.

Os campos preenchem todo o espaço, criados por sua fontes. A realidade física é vista como sendo criada por campos e suas excitações. Elétrons, prótons, fótons são excitações de campos.

Devido a flutuações típicas na escala atômica, essas partículas podem surgir até do vazio. O vazio absoluto não existe, pois sempre haverá uma energia de excitação no espaço, a agitação quântica.

Essa energia pode criar matéria vinda do nada! Como foi descoberto em 1998, a expansão do Universo se acelera: galáxias se afastam mais rápido do que o esperado.

A causa desse efeito é desconhecida, mas ganhou o nome de energia escura. É possível que venha dessa agitação quântica do espaço vazio. O éter, ou algo do tipo, voltou.



MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

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