29 de nov. de 2011

João Câmara: 25 anos de tremores

Geofísica Brasil

 
O município de João Câmara, no Agreste potiguar, vai rememorar os 25 anos dos tremores sísmicos que abalaram a população em 1986. No dia 30, data em que houve o tremor de terra mais devastador (de 5.1 graus na escala Richter), a prefeitura local vai organizar uma audiência pública e uma série de palestras. O evento começa às 9h da manhã, na sede da Câmara Municipal.


"Não usamos a expressão comemorar porque foi uma tragédia que se abateu no município. Por isso usamos o termo rememorar. O objetivo é mostrar à população o que foi o abalo, o que ocorreu. Queremos também preparar as pessoas para os riscos de um novo abalo, já que aqui é uma área sísmica", explica Elizângela Souto, membro da Comissão Municipal de Defesa Civil (Condec).

A grande quantidade de tremores de terra que atingiu João Câmara em 1986 foi a mais estudada atividade sísmica já observada no Brasil. O primeiro abalo foi registrado em Brasília, no dia 21 de agosto, alcançando magnitude 4.3. Nosdias 3 e 5 de setembro, foram dois tremores. Um de 4.3 e outro de 4.4 graus na escala Richter, usada internacionalmente para medir tremores e terremotos. Esses abalos provocaram danos materiais e assustaram ainda mais a população.

No dia 30 de novembro, no raiar do dia (pontualmente às 5h19min48s), o maior tremor, de 5.1 graus foi registrado, seguido de várias réplicas, inclusive com magnitude 4.0. Tanto na zona urbana quanto na rural, grande parte da população abandonou o município. Os tremores destruíram ou danificaram 4 mil casas, 500 delas foram reconstruídas adotando normas anti-sísmicas, desenvolvidas pelo Batalhão de Engenharia do Exército Brasileiro. O Presidente da República e vários outros ministros visitaram a área atingida. A imprensa nacional também acompanhou os fatos, inclusive montando acampamentos na cidade.

Evento

O evento deve reunir vereadores e prefeitos da região do Mato Grande, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, Cel. Elizeu Lisboa Dantas, a coordenação estadual de Defesa Civil,Cruz Vermelha, Petrobras, Departamento Nacional de Produção Mineral, entre outras instituições. Um dos palestrantes é o Monsenhor Luiz Lucena Dias, padre da cidade na época do abalo, e ainda hoje o pároco local. O professor do Departamento de Sismologia da UFRN, Joaquim Mendes Ferreira, é um dos convidados para dar uma palestra.

Para a população mais jovem, que não vivenciou os "terremotos de João Câmara", como ficaram conhecidas as intensas atividades sísmicas no município, haverá slides com exposição de fotos e reportagens da época. "Também estamos montando um histórico de fotos", acrescenta Elizângela Souto, uma das organizadoras do evento.

Escritor de terremotos

Ao perceber a proximidade dos 25 anos do tremor sísmico que abalou João Câmara no dia 30 de novembro de 1986, o professor aposentado de Geofísica e Geologia da Universidade de Brasília (UnB), Alberto Veloso, decidiu escrever um livro sobre o fato. Menos de cinco meses depois, a obra foi concluída e será lançada na próxima quarta-feira, 30, em João Câmara, e dia 2 de dezembro no campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O livro "O terremoto que mexeu com o Brasil", destaca vários abalos registrados no país, especialmente no Nordeste, nas áreas onde os tremores são mais comuns. Histórias curiosas sobre os primeiros abalos de que se tem notícia no Brasil ocorridos na época do Império, o interesse de D.Pedro II em estudar o assunto e o primeiro tremor catalogado no Rio Grande do Norte ocorrido no município de Assu, em 1807, são relatados no livro.

Como teve um envolvimento direto com a cidade de João Câmara onde ficou por duas semanas após o tremorde novembro de 1986, o autor dedicou parte da obra ao abalo que afetou a cidade na madrugada daquele domingo e nas duas semanas subsequentes. Há quase quatro anos Alberto esteve novamente no município para coletar dados e informações dos moradores que vivenciaram o ocorrido.

A ideia do professor era acrescentar detalhes na obra que escreve há cinco anos sobre terremotos em todo Brasil. "Pensei em escrever um livro pequeno sobre o tremor em João Câmara e tudo que presenciei naqueles dias, mas o material que cataloguei é muito rico, por isso agora decidi escrever este livro", conta Alberto. Após concluído, o livro "O terremoto que mexeu com o Brasil" ficou com 352 páginas.

Além dos depoimentos dos moradores, documentação, jornais e fotos da época, o leitor poderá assistir ainda um DVD inédito de 16 minutos gravados pelo próprio Alberto durante os dias em que ficou em João Câmara após o maior abalo já registrado no Rio Grande do Norte e um dos maiores do Nordeste.

De forma didática, o professor consegue explicar no livro detalhes sobre as placas tectônicas, as falhas geológicas que causam os temidos abalos sísmicos e como a ação do homem também pode ocasionar os sismos induzidos como, por exemplo, a construção de barragens. No final da obra, uma cartilha alerta sobre como as pessoas devem agir e se proteger no momento de um abalo. "Informações simples como procurar abrigo embaixo de uma mesa ou sair do imóvel e ficar em local aberto podem fazer a diferença para os moradores das regiões mais susceptíveis aos tremores", destacou.

Entrevista >> Alberto Veloso

Como iniciou o estudo da sismologia em João Câmara?

O primeiro abalo foi registrado em agosto de 1986. Decidimos então implantar uma estação de sismologia em João Câmara para que esses movimentos da terra fossem registrados. No mês de setembro outros pequenos tremores também foram detectados pelo equipamento durante alguns dias consecutivos. No mês de outubro os abalos deram uma trégua e em novembro foi registrado o maior deles de magnitude 5.1.

O senhor esteve no município acompanhando a equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Sim, logo que soube do abalo decidi participar dos estudos na área. Cheguei por volta das 15h em João Câmara. A cidade estava muito destruída. Centenas de pessoas perderam suas casas e resolveram se mudar para outras cidades com medo do que poderia acontecer. A escola teve que ser demolida depois porque a estrutura estava bem comprometida. Até a delegacia que havia sido construída recentemente e ainda não havia sido inaugurada teve que ser demolida. Cerca de 400 casasforam afetadas e mais de 26 mil pessoas deixaram a cidade.

Como foi a repercussão do terremoto?

O tremor foi repercutido em toda a mídia nacional. João Câmara ficou conhecida, em evidência mesmo. Autoridades políticas como o governador Radir Pereira e o presidente José Sarney estiveram lá para acompanhar os estudos e ajudar os desabrigados. O Exército ficou com a responsabilidade de construir as residências para as famílias desalojadas ou que tiveram as construções abaladas.

O senhor ficou quanto tempo em João Câmara nessa época?

Cheguei no dia 30 de novembro por volta das 15h e só voltei para Brasília duas semanas depois. Nesses dias aproveitei para conversar e gravar depoimentos com moradores e é esse material que está incluso no livro e que o leitor vai poder ver imagens reais do local feito por um cinegrafista amador: eu! O vídeo foi editado da melhor forma possível para que pudesse manter a originalidade do fato em 16 minutos.

O Brasil fica quase no centro de uma placa tectônica. Isso diminui a quantidade de tremores?

Digamos que suaviza, mas nenhum lugar do mundo pode garantir ter estabilidade absoluta. Isso é muito relativo porque depende tanto da natureza quanto das ações do homem. Por ano são registrados no mundo cerca de 500 mil tremores. A partir de agosto de 1986, João Câmara registrou sete anos de abalos. Desde que instalamos a estação em João Câmara foram registrados mais de 40 mil.

Qual o motivo de João Câmara e cidades da região registrar tantos abalos?

Existe uma falha geológica encontrada em João Câmara que não pode ser detectada a olho nu, somente com estudos e fotografias detalhadas. Mas ela está localizada entre 1 km e 7 km de profundidade e tem aproximadamente 30 quilômetros de extensão. Alguns dos abalos registrados no município foram sentidos em João Pessoa (PB).

Diário de Natal - Sérgio Henrique Santos - 27/11/2011



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