11 de jul. de 2014

De todos os ângulos

Astrofísicos brasileiros fazem mapeamento em 3D de nuvem de poeira e gás que envolve raro sistema estelar binário agonizante. O modelo pode ajudar a entender mais sobre estrelas desse tipo e abrir caminho para desvendar mistérios do universo.

O primeiro modelo tridimensional da nebulosa do Homúnculo permite visualizá-la em toda sua extensão, exibindo sua forma de amendoim. (imagem: Nasa Goddard)

A nebulosa do Homúnculo, uma grande massa de poeira e gás que envolve o sistema de estrelas mais estudado da nossa galáxia, o Eta Carinae, acaba de ter sua forma desvelada em detalhes por um grupo internacional de astrofísicos que inclui três brasileiros. Com base em dados do telescópio VLT, do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, os pesquisadores foram além das convencionais fotos chapadas do corpo celeste e criaram o primeiro modelo em 3D da nebulosa.

A nebulosa do Homúnculo é produto de uma detonação recente, ocorrida em 1843 pela aproximação ou colisão das duas estrelas que compõem o sistema binário Eta Carinae. O evento foi tão intenso que na época a Eta Carinae (então considerada uma só estrela) foi elevada a segunda estrela mais brilhante conhecida, depois de Sirius. Pedacinhos das estrelas com massa equivalente a 15 sóis continuam se afastando, e assim a nebulosa segue se expandindo lentamente – atualmente tem cerca de 3 trilhões de quilômetros de comprimento.


Com o mapeamento tridimensional, os pesquisadores conseguiram visualizar a nebulosa em toda sua extensão, exibindo sua forma de amendoim, seus vales, protuberâncias e buracos. Descobriram, por exemplo, que a poeira não se espalha em todos os pontos; no lado oculto para nós aqui da Terra há falhas.

A partir do mapeamento em 3D da nebulosa, pesquisadores conseguiram observar marcas de sua formação, como vales, protuberâncias e buracos, e poderão entender melhor os sistemas binários de estrelas. (imagem: Nasa Goddard)

“Toda vez que vemos um objeto espacial aqui da Terra a imagem que temos é plana, como uma fotografia, não vemos todos os lados, mas essa técnica nos permite ver em três dimensões, ver a espessura do objeto e seus acidentes geográficos”, conta o astrônomo da Universidade de São Paulo (USP) Augusto Damineli, um dos autores da pesquisa, publicada no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. “É como se fizéssemos uma tomografia da nebulosa.”

Segundo o astrônomo, todas essas marcas são como uma impressão que revela pistas sobre a formação da nebulosa há 171 anos. “A nuvem de gás e poeira, ao ser ejetada pela estrela principal do par binário, interagiu com o material que estava acumulado no plano orbital do sistema, deixando marcas nele”, explica.

Todas essas marcas são como uma impressão que revela pistas sobre a formação da nebulosa há 171 anos

Para conseguir montar o modelo em 3D da nebulosa, os cientistas se valeram da medição da velocidade de afastamento ou aproximação de cada ponto do objeto em relação à Terra. Assim, foi possível saber qual parte da fina camada de poeira está de que lado e a qual distância está do seu ponto de origem, o sistema binário que fica no encontro dos lóbulos da nebulosa.
Damineli se diz surpreso por conseguir observar marcas tão definidas no mapeamento. “A nebulosa é mil vezes maior que o sistema binário que a gerou; quando um objeto cresce tanto assim, não esperamos ver marcas tão definidas, é como tentar ver marcas de nascença em um adulto, que já cresceu e teve a pele mais esticada”, exemplifica.
Os cientistas já identificaram a causa de algumas marcas principais, como os vales, gerados pela colisão de ventos das duas estrelas. Outras ainda serão estudadas futuramente. 

 Dinossauro no quintal

O sistema binário envolvido pela nebulosa do Homúnculo é raro e único. Suas estrelas são tão grandes quanto as primeiras estrelas, formadas quando o universo tinha apenas 200 milhões de anos e que hoje não existem mais. 

Estrelas desse tipo são conhecidas por produzirem oxigênio, um dos elementos fundamentais à vida. Ao contrário das primeiras estrelas, a Eta Carinae está viva e bem perto de nós, a 8 mil anos-luz. Seu estudo pode oferecer informações valiosas para compreender o início do universo e a produção de oxigênio pelas estrelas.

“O universo atual já não produz grandes estrelas como fazia quando era jovem, para produzir essas estrelas é preciso muito gás e essa matéria-prima está quase em falta”, conta Damineli. “Porém, a Eta Carinae é uma espécie de dinossauro fora de época, ela é uma grande estrela com apenas 2,5 milhões de anos e, melhor ainda, está no nosso quintal.”


A Eta Carinae já sofreu pelo menos três detonações. Além da que formou a nebulosa do Homúnculo, ‘explodiu’ há 2 mil anos e há 110 anos – eventos que igualmente deixaram para trás nebulosas. Agora, os cientistas querem entender melhor como ocorrem essas detonações.

Damineli explica que as detonações ocorrem quando as estrelas estão em sua máxima aproximação uma da outra, o que se repete a cada cinco anos e meio. Assim como a Lua exerce um efeito de maré que aquece o fundo dos oceanos, a estrela menor do sistema causa a mesma reação na estrela maior. Ocasionalmente, o aquecimento provocado leva à formação de antimatéria, que gera uma explosão parcial na estrela maior.

No caso de uma estrela tocar o núcleo da outra, o sistema Eta Carinae pode sofrer sua detonação final

A simples aproximação das estrelas pode gerar as detonações, mas o astrônomo acredita que, no caso da Eta Carinae, ocorre um fenômeno único, nunca antes observado: as duas estrelas entram uma na outra. No próximo dia 25, o par estelar vai estar nesse período de maior aproximação e o cientista não vai perder a oportunidade de estudá-lo.

“Provavelmente, até o final do mês saberemos se isso ocorre e poderemos medir o quanto uma entra na outra”, diz Damineli. O astrônomo avisa que, no caso de uma estrela tocar o núcleo da outra, o sistema Eta Carinae pode sofrer sua detonação final.

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