22 de ago. de 2014

A Sonda Espacial STARDUST: A incrível saga que levou à descoberta de poeira interestelar no interior do Sistema Solar


Certamente inspirados na canção “Stardust”, eterno sucesso americano de Carmichel, com letra de Parish, os administradores da NASA nomearam para o projeto a sonda que iria ao espaço para uma dessas missões de longa duração e múltiplos propósitos, todos associados à coleta de poeira sideral para futuros estudos.

Após longos meses de construção, a sonda Stardust foi lançada do Cabo Canaveral em 2 de junho de 1999 a bordo de um foguete tipo Delta II. Ela percorreria um longo caminho em órbita solar, realizaria imagens de cometas e asteroides e coletaria material de diversas origens, cometária, interplanetária e, possivelmente, interestelar numa missão de 12 anos coroada de sucesso. 

A sonda, movida a energia solar, foi equipada, entre outras coisas, com um coletor de poeira espacial chamado “Aerogel”, um painel contendo um gel feito de sílica concebido especialmente para esse fim. Esse painel é o responsável por uma das descobertas mais espetaculares da missão, mas que contou, como veremos adiante, com a colaboração de milhares de cidadãos espalhados pelo mundo que cederam tempo livre de seus computadores, conectados à Internet, para o processamento dos dados obtidos pela sonda Stardust. Tal procedimento é conhecido como “Citizen Science” ou “Ciência-Cidadã”.

A história de sua trajetória orbital já seria motivo de menção pelo planejamento e monitoramento remoto. Lançada em 1999, a sonda foi colocada numa órbita elíptica em torno do Sol. Após a primeira revolução, em janeiro de 2001, a sonda aproximou-se Terra e foi submetida a um processo conhecido como “manobra por auxílio gravitacional terrestre”, uma espécie de “estilingada” cósmica, onde aproveita-se o campo gravitacional do planeta, no caso a Terra, para catapultar o objeto para uma órbita superior. Com isso o semi-eixo maior da órbita foi a 3 vezes o diâmetro da órbita terrestre, com um período de cerca de 5 anos. Isso fez com que a sonda penetrasse o Cinturão de Asteroides interior, uma região entre Marte e Júpiter composta de asteroides, material perdido em órbita solar que não teve possibilidade de se agregar para formar um planeta por culpa do campo gravitacional de Júpiter. Daí a sonda passou a dirigir-se aos seus alvos. 

Em novembro de 2002 ela cruza com o asteroide Annefrank a cerca de 3.000 km, quando tira fotos deste e os envia à Terra por sinal de rádio. Essas imagens foram fundamentais para a determinação de parâmetros como a rotação do astro, com a concorrência de curvas de luz obtidas em telescópios terrestres. Como consequência, pode-se, também, aprimorar a teoria que obtém parâmetros físicos dos asteroides a partir de observações fotométricas na Terra. 

Em setembro de 2003 a Stardust cruza a coma do cometa Wild-2 e coleta material por meio de seu Aerogel. Também fotografa o cometa ejetando material ao espaço. O processo é registrado e leva a equipe de cientistas ao delírio, pois é constatado algo que já se desconfiava. O processo de lançamento de material pelos cometas não se dá de forma uniforme e sim em pontos de sua superfície conhecidos por “spots”, de onde o material é expelido. Isso sugere uma evolução por processo disruptivo como a observação em solo terrestre já indicava. 

O dispositivo que mantinha o Aerogel direcionava o painel para o sentido do movimento do Sol em relação à galáxia, uma manobra semelhante a um velejador, que coloca a vela do barco de maneira a ser “enchida” pelo vento. Dessa forma, a “vela cósmica” era colocada de forma a coletar na melhor condição a poeira interestelar, se ela ali estivesse presente. Se alguma poeira interestelar fosse capturada seria a primeira vez. A humanidade jamais tinha “posto a mão” em poeira interestelar, que ela sabia existir apenas pelo efeito que esta provoca na radiação que nos chega do espaço sideral. 

Três anos depois a sonda encontra-se novamente com a Terra e lança ao solo uma cápsula contendo o material coletado. A cápsula é capturada pelo pessoal da NASA e levada aos laboratórios para a coleta dos dados. 

Em 2011 a Stardust ainda se encontra com o cometa Tempel-1, tira fotos espetaculares para em seguida encerrar suas atividades e perder contato com a Terra. Hoje, vaga pelo espaço. 

A Stardust deixou um legado que envolve uma comunidade inteira de pesquisadores, interessados ou simplesmente curiosos dispostos a ajudar. O volume de dados obtido do material deixado por ela era tão grande que seus responsáveis, inspirados no projeto SETI@home, criado por Carl Sagan, criaram o STARDUST@home. Pessoas que possuem computadores conectados à Internet os disponibilizam para que sejam utilizados no processamento dos dados. É instalado o programa que funciona como um “protetor de tela”. Quando seu PC está inativo, o programa entra em ação. Conecta-se com o servidor na NASA, recebe seu pacote de dados e processa. Assim feito, o procedimento é rápido e não compromete as atividades do proprietário, pois quando este retoma suas tarefas no computador, o programa, como o protetor de tela, fica inativo, aguardando nova oportunidade para voltar a operar. Uma vez terminado o processamento, o programa envia os resultados ao servidor e aguarda mais dados para processar. 

Pois foi assim que foi possível descobrir a poeira interestelar. Desse projeto participaram cerca de 30 mil voluntários. Por meio da análise de constituição química, direção da incidência no painel e densidade, em cerca de 100 milhões de imagens, pode-se constatar, finalmente, a existência de poeira interestelar no Sistema Solar. Os voluntários, cujos computadores encontraram os resultados, foram contemplados com um “email” comunicando o sucesso de sua participação. Bastou isso para deixá-los em estado de graça. Afinal, eles ajudaram a fazer História. 

Saiba mais: revista Nature, edição agosto de 2014. 


João Luiz Kohl Moreira
Observatório Nacional/MCTI
Coordenação de Astronomia e Astrofísica

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