3 de dez. de 2015

Observatório Nacional reúne as Placas Fotográficas do eclipse de Sobral que contribuíram para comprovar a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein


Equipe do Observatório Nacional, composta pelo astrônomo Carlos H. Veiga, pelas bibliotecárias Katia T. dos Santos, M. Luiza Dias e pelo analista Renaldo N. da S. Junior, fez um levantamento das placas fotográficas¹ que fazem parte do resultado da expedição que observou o eclipse total do Sol na cidade de Sobral. 

Foi avaliado um conjunto de 900 placas fotográficas do acervo da biblioteca do Observatório Nacional. Pela importância científica, foram selecionadas as placas das observações do famoso eclipse de Sobral, que ainda guardam fielmente a imagem da Lua nova encobrindo perfeitamente a imagem do Sol, registradas num dia muito especial para a ciência.

Na manhã de 29 de maio de 1919 um fenômeno celeste trocaria, por alguns minutos, o dia pela noite numa pacata cidade do Nordeste brasileiro, escolhida caprichosamente pela natureza para comprovar uma teoria científica.



 

Fig. 1 - Equipamentos montados na pista de corrida de cavalos da cidade na cidade de Sobral (CE), em 1919. Imagens obtidas em placas fotográficas.  Crédito: Observatório Nacional.
¹A partir da segunda metade do século 19 as imagens fotográficas eram registradas utilizando-se placas fotográficas de vidro. Este dispositivo, coberto por uma emulsão contendo sais de prata sensíveis à luz, era usado não só para registrar o cotidiano, mas também pela comunidade astronômica, até a última década do século passado, para observação de corpos celestes. Por ter um baixo coeficiente de dilatação térmica, as placas de vidro garantiam, ao longo do tempo, a precisão e confiabilidade das medidas astronômicas.

A fotografia permitiu um grande avanço para a astronomia e para o desenvolvimento da astrofísica, passando a ter um papel de detector, comparando os dados observacionais com o distanciamento temporal de grandes estruturas, como as galáxias. Em 1873 foi iniciado um programa sistemático de observação da atividade das manchas solares, eclipses e da coroa solar.


Os preciosos minutos de duração do fenômeno deveriam ser aproveitados ao máximo: era a oportunidade para comprovar experimentalmente uma nova afirmação científica prevista por uma teoria: a relatividade geral, idealizada pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), que pode ser entendida como uma teoria que explica os fenômenos gravitacionais. Sobral, a cidade cearense, seria o palco que ajudaria a confirmar um efeito previsto pela relatividade geral: a deflexão da luz, na qual um feixe de luz (neste caso, vindo de uma estrela) deveria ter sua trajetória encurvada (ou desviada) ao passar nas proximidades de um forte campo gravitacional (no caso, gerado pelo Sol).

Fig. 2 - Ilustração do efeito da deflexão da luz previsto pela Teoria da Relatividade Geral. Os elementos deste desenho estão fora de escala. Crédito: Observatório Nacional.

Esse desvio da luz faz com que a estrela observada seja vista em uma posição aparentemente diferente de sua posição real. O objetivo dos astrônomos era medir um pequeno ângulo formado por essas duas posições (figura 2).

Naquele dia, aconteceria um eclipse solar total. Os cálculos previam que deveria haver, pelo menos, uma estrela localizada no fundo de céu cuja luz passasse próxima ao bordo solar. Com essa configuração e boas condições meteorológicas, haveria grande chance de comprovar a nova teoria.
 
Fig. 3 -  Configuração de estrelas prevista para o momento do eclipse. A moldura pontilhada representa aproximadamente a dimensão do campo de observação das placas fotográficas. A magnitude (mag) é uma escala de brilho das estrelas. Quanto maior for o valor numérico, menor é o brilho da estrela. Em geral, é possível observar estrelas com magnitudes menores que cinco sem o auxílio de instrumentos ópticos.
Durante o eclipse, as estrelas de fundo mais próximas do bordo do Sol estavam a uma distância média de 150 anos-luz da Terra – cada ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros. A estrela Hip 20712 (indicada pela seta branca) era forte candidata para confirmar a teoria de Einstein, por ter sua luz passando muito perto do Sol (figura 3). Estavam previstas 13 estrelas para serem usadas como sistema de referência – naquela época os catálogos continham um número relativamente pequeno de posição de estrelas brilhantes.

Os astrônomos sabiam da dificuldade que teriam para medir o ângulo de desvio da trajetória e chegar ao resultado previsto pela teoria da relatividade geral, pois, provavelmente, muitas imagens de estrelas estariam imersas no halo difuso provocado pela luz do Sol, encoberta pelo disco da Lua. Havia também o problema da turbulência atmosférica, que prejudicaria a qualidade das imagens. Deveria ter um número de estrelas suficiente no campo de observação para ajustar e determinar com precisão suas coordenadas celestes observadas.

O sistema de medidas das imagens das estrelas era manual, o que introduziria um erro pessoal do observador. Devido a turbulência atmosférica local, que contribui para determinar o tamanho da imagem de um corpo celeste, as imagens das estrelas nas observações não seriam pontuais, o que dificultaria determinar o centro de cada uma delas (fotocentro). Mas isso é uma outra história!
O eclipse foi observado na cidade de Sobral e na ilha de Príncipe, na costa ocidental da África, mas o mau tempo não permitiu condições de trabalho ideais.

Um dos vários equipamentos usados na observação do eclipse foi um telescópio refrator conjugado a um conjunto de espelhos (figura 4). A equipe de astrônomos brasileiros – responsável pelas medidas da coroa solar (atmosfera exterior do Sol) – foi chefiada por Henrique Morize (1860-1930), então diretor do Observatório Nacional, e contava com Domingos Costa (1882-1956), Lélio Gama (1892-1981), Theophilo Lee, Luís Rodrigues e Allyrio de Mattos (1889-1975).

Morize foi ainda o responsável no Brasil pelos trabalhos que apontaram Sobral como local ideal para a observação. Os trabalhos relacionados à sutil medição do ângulo de deflexão da luz, redução e analise dos resultados obtidos, ficaram a cargo dos astrônomos ingleses.

 
Fig. 4 - Telescópio refrator astrográfico do construtor Mailhat, com 15cm de abertura da objetiva e 8m de distância focal, conjugado com um celostato (conjunto de espelhos planos que permitem registrar a imagem refletida do Sol sobre uma placa fotográfica). Crédito: Observatório Nacional.
O acervo de placas fotográficas históricas sob a guarda da Biblioteca do Observatório Nacional abriga 900 itens. Desse total, 61 placas são relacionadas ao eclipse de Sobral, material que, após quase 100 anos, está em bom estado de conservação. 

Fig. 5 - Realização do frágil e paciente trabalho de higienização das placas fotográficas (a). As placas estão armazenadas dentro de caixas para preservação (b). Crédito: Observatório Nacional.
 Foi realizada uma delicada higienização somente no vidro, lado contrário ao da emulsão fotográfica (figura 5a) - uma combinação de gelatina com sais de prata sensíveis à luz, onde estão registradas as imagens do eclipse.

As placas – que têm dimensões de 24cm por 18 cm ou 9 cm por 12 cm – foram acondicionadas em papel próprio para a embalagem desse tipo de material, evitando uma possível reação química com a emulsão fotográfica (figura 5b). Estima-se que, em seis meses, as placas passarão por um processo de digitalização de alta resolução, preservando assim as informações contidas nelas e também para que as imagens geradas sejam disponibilizadas para consulta eletrônica na página institucional.
Fig. 6 - Imagens das placas (18cm x 24cm) de um dos telescópios usados em Sobral. As imagens mostram duas placas (I e VIII). Na imagem da direita pode-se ver uma estrela, assinalada pela seta branca, à esquerda da protuberância solar. Em geral as imagens foram obtidas com um tempo de exposição de 8 segundos. Crédito: Observatório Nacional.
 Nos períodos de grande atividade, o Sol emite enormes arcos de plasma (gás ionizado) que são lançados a centenas de milhares de quilômetros na coroa solar. No eclipse de Sobral, o tamanho deste arco (Figura 6) foi de aproximadamente 516 mil quilômetros.

Além de participar no apoio e na organização das observações do eclipse, a equipe brasileira fez observações da coroa solar usando um espectrógrafo, equipamento que faz o registro fotográfico das várias 'cores' (frequência) que compõem a luz emitida pela fonte (no caso, o Sol) - foi utilizado pela expedição brasileira para observar e analisar o mecanismo responsável pelo alto aquecimento da coroa solar. A figura 7 mostra uma das observações espectroscópicas da coroa solar.

Fig. 7 - Placa fotográfica de uma das observações espectroscópicas da coroa solar realizadas pela equipe de Henrique Morize. As sete faixas representam a observação da região da coroa solar, utilizando um prisma para decompor a luz em suas diversas 'cores' (frequências). Crédito: Observatório Nacional. 

As placas fotográficas também eram utilizadas para fotografar o dia a dia da população. Pessoas, monumentos, eventos, a natureza. Enfim, tudo era registrado neste dispositivo, que foi usado por mais de um século para guardar os momentos importantes da história das sociedades.  

Todo esse acervo iconográfico de importância histórica inestimável permanece sob a guarda e aos cuidados da Biblioteca do Observatório Nacional.

Fig. 8 - Imagem de Henrique Morize (esquerda) e de Teófilo H. Lee (direita), especialista em espectroscopia. Crédito: Observatório Nacional. 

Às 8h46, cerca de 10 minutos antes da previsão para o início da totalidade do eclipse, o céu estava encoberto por nuvens carregadas. Felizmente, no momento do contato interno, quando o disco da Lua encobre totalmente o disco do Sol, as nuvens se afastaram e foi possível observar e fotografar o fenômeno (figura 9). Foram os 5 minutos e 13 segundos mais longos para a história da física moderna.

"Do peito de todos saiu suspiro de profundo alivio, quando as 8 horas e 55 minutos, de meu relógio, verifiquei ter já principiado a totalidade. Nesse momento todos, mesmo os simples curiosos que cercavam o acampamento sentiram-se comovidos pela imponência do espetáculo que se manifestava", disse Morize em uma conferência na Academia Brasileira de Ciências, no dia 22 de fevereiro de 1920.

A pedido de Morize, a população de Sobral deveria acompanhar o eclipse em silêncio, sem soltar fogos de artifícios para não atrapalhar a qualidade das "chapas fotográficas".
Fig. 9 - Momentos que antecederam o início do eclipse com a participação da população de Sobral.  Crédito: Observatório Nacional.
Em uma reunião de cientistas em Londres, no dia 6 de novembro de 1919, a teoria da relatividade foi dada como comprovada. A partir daquele momento, a teoria da gravitação do inglês Isaac Newton (1642-1727), idealizada cerca de 2,5 séculos antes, passava a ser um caso particular da relatividade geral, sendo válida só nos casos em que as massas são muito menores que as solares e as velocidades inferiores à da luz (300mil km/s).

Em 1925, em um almoço no Hotel Copacabana Palace, na cidade do Rio de Janeiro, Einstein, em reconhecimento à importante contribuição das observações realizadas em
Sobral à comprovação de sua teoria, fez o seguinte comentário, por escrito, para um jornalista: “O problema que minha mente formulou foi respondido pelo luminoso céu do Brasil”.

Este artigo foi publicado na revista Ciência Hoje, número 331, volume 56 (págs. 34-38), novembro/2015
 
 
Agradecimentos

Ao pessoal da Divisão de Atividades Educacionais do Observatório Nacional, cuja dedicação ao tratamento das imagens extraídas das Placas Fotográficas resultou num trabalho de alta qualidade visual.



Sugestões para leitura

Dyson, F. W.; Eddington, A. S. and Davidson, C.  A Determination of the Deflection of Light by the Sun’s Gravitational Field from Observations made at the Total Eclipse of May 29, 1919, Philosophical Transactions of the Royal Society,  London A, v. 220, 291, 1920.

Russell, Henry Norris.  Note on the Sobral Eclipse Photographs (1920). Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 81 154-164, 1920.

Morize, Henrique. Resultados obtidos pela Comissão Brasileira do eclipse de 29 de maio de 1919. Revista de Sciencias, v. 4, n. 3, p.65-81, 1920.

Kennefick, Daniel. Not Only Because of Theory: Dyson, Eddington and the Competing Myths of the 1919 Eclipse Expedition. In: Proceedings of the 7th Conference, Tenerife, 2005. Disponível em: .

Videira, A. A. Passos. Einstein e o eclipse de 1919. Física na Escola, v. 6, n.1, 2005.

Damineli, Augusto. Sobral, 29 de maio de 1919. Revista Pesquisa Fapesp, 2009.

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